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quinta-feira, abril 12, 2007

CULTURA COKWE EM SAURIMO

DE PEDRA E CAL
A pouco menos de dez quilómetros da cidade capital da Lunda –sul, Saurimo, está a aldeia do Luari. Entre nativos e deslocados, forçados pela guerra a abandonar as suas comunidades rurais no interior da província, Luari é hoje uma aldeia com mais de duzentas famílias camponesas que tudo fazem para perpetuar a cultura Lunda- Cokwe.

A mandioca, a ginguba (amendoim), o feijão e o milho são as principais culturas, sendo a pesca e a caça actividades complementares à dieta e ao lazer, ao mesmo tempo que se ensaiam outros produtos destinados à venda, como o abacaxi e o abacate, muito procurados pelas empresas que actuam na região.

Junto à aldeia, cresce um complexo turístico - Ciseke - que conta com uma esplanada e casas de campo, estando em construção um motel.

Informações recebidas no local dão conta que os antigos moradores de um ex-internato, em escombros, e os das casas vizinhas, serão deslocados, para dar lugar à construção de um motel, valorizando a área envolvente a uma atractiva lagoa natural .

“Já nos disseram que o Mwata comprou mais de três mil chapas de zinco para cobrir as nossas casas e também vamos poder trabalhar aqui mesmo quando ele precisar", referiu-nos um ancião, contactado no local,tendo-se escusado a apontar o nome do empreendedor e sequer o seu .

Fontes anónimas atribuem o empreendimento Txisseque ao actual Governador, Miji Itengo, tendo no âmbito da responsabilidade social da sua empresa, já erguido um estabelecimento escolar na comunidade .

Dia após dia a comunidade do Luari assiste à mudança para melhor do ambiente circundante adivinhando-se até dias ainda mais prósperos, já que "há empregos à vista”. Entretanto, o que não sofre alteração, mesmo sob a pressão da aculturação, é o modo de vida do seu povo. A principal referencia é o ritual da festa de iniciação, masculina e feminina - Mukanda wa Kandandji e Mukanda wa Pwo - que vêem sendo passados de geração em geração.

“Estar no Luari é estar com a nossa cultura”, afirmou Pedro Sacahumba, secretário do bairro.

Ritos como o Mukixe e o Kandangi (máscaras) e Cianda (dança tradicional), entre outros, são ensaiados de forma organizada e pedagógica, pela sociedade que pensa deste modo perpetuar os valores característicos à peculiaridade da sua cultura.

Crianças, ainda de tenra idade, ensaiam diligentemente os passos das danças e rituais que conferem original singularidade à sua cultura.

“Assim como fazem os nossos pais, nós também estamos a aprender para depois ensinar aos mais pequenos", confidenciou-nos Fernando Nuati, um adolescente que fazia o papel de comandante de dança Muquixe, rigorosamente mascarado .

Para Avelino Carlos - Muanga-saia - líder musical dos Astros da Lunda-sul “apesar da influência de outras culturas divulgadas pela televisão, a cultura Cokwe está intacta e como a aprendizagem acontece sempre na comunidade com os mais velhos não há nada que a afecta”. Disse acrescentando que tem sido função dos mais velhos, esmerarem-se na forma como acompanham a continuidade na execução dos ritos e máscaras pelos mais novos, preservando a sua pureza e integridade.

“Até agora continuamos a fazer a circuncisão que demora seis meses a um ano. As meninas também têm um ritual parecido e é aqui que se passam todos os valores". Concluiu.

Segundo, Ana C. G. Marques*, "entre os cokwe, as máscaras não são um disfarce mas sim uma instituição que contribui para a perpetuação das diligências sociais e Culturais, um veiculo de transmissão do conhecimento colectivo, a negociação das magnas preocupações e aspirações humanas. Através dela celebram-se a esposa, a irmã e a mãe, declarando-se a autoridade e o papel moderador da mulher na sociedade.

Mwana pwo é uma máscara confeccionada em madeira para a realização de rituais de passagem da puberdade. Na sociedade tradicional cokwe, a comunidade junta-se no centro da aldeia para assistir à mascara mwana pwo dançar, ela representa o ancestral feminino. A seu lado as mulheres aprendem as boas maneiras, os princípios éticos e a solenidade com que se devem impor na sociedade".

A sociedade cokwe sempre preservou a consciência colectiva da sua identidade histórico-cultural, através dos seus mitos de origens e de outras marcas culturais.

*(MARQUES, A.C. Guerra, http://tucokwe.org, acesso e correcção aos 26.06.2009)
Luciano Canhanga (licenciando em Ensino da História pelo ISCED/Luanda)

11 comentários:

Anónimo disse...

Deve ser muito interessante a cultura Cokwe. Gostaria muito de um dia poder conhecer de perto.

Um abraço
Claudia

domenico disse...

Love is the answer, but while you're waiting for the answer, sex raises some pretty interesting questions... :D

Unknown disse...

Parabens grande Jornalista.
É bom saber que a cultura etnográfica da nossa gente está a merecer um lugar no ciberespaço... e, claro, em Saurimo.

Escorpiana Explosiva disse...

legal o texto mas passei pra agradecer a visita.

Unknown disse...

Sinto-me muito orgulhosa desse Povo que,apesar do convívio com gentes de outras culturas e das amarguras vividas durante muitos anos de guerra, não esqueceu a sua Tradição e os seus Costumes e fazem questão de os transmitir aos mais novos para que nunca se apaguem.
São um excelente exemplo de como um Povo pode conviver com outros Povos sem ter de perder a sua identidade. PARABÉNS!
Marta Miranda

Unknown disse...

Ah, imperdoável. Esqueci-me de parabenear também o Luciano pelo excelente trabalho jornalístico.

Bem-hajas

Marta

Anónimo disse...

Caríssimo Luciano

Apesar de não nos conhecermos tenho alguma consideração por si, parece-me ser um trabalhador das letras com alguma frontalidade. É louvável nos tempos que correm.

No seu post de 12 de Abril, pp, "Cultura Cokwe em Saurimo de pedra e cal", saquei a seguinte passagem:
"Até agora continuamos a fazer a circuncisão que demora seis meses a um ano. As meninas também têm um ritual parecido e é aqui que se passam todos os valores". Concluiu.

As palavras não são suas é uma transcrição, ouviu algures.
A minha questão é: o ritual parecido das meninas não é a excisão ????

Obrigado.Um abraço.

FFonseca

Soberano Kanyanga disse...

Caríssimo F.Fonseca,
Em resposta à questào que me colocou em privado e aqui anexa, dada a sua pertinência e para esclarecimento de leitores que no silêncio a terão colocado, devo dizer-lhe que:
O ritual parecido à circuncisão frequentado por meninas cokwes não é excisão.Assemelham-se apenas nas matérias sobre inserção social que ambos recebem ao longo do internamento. Ambos, rapazes e raparigas aprendem sobre sexualidade, trabalho, relacionamento no lar( uma vez casados), dança Cianda (meninas) e outras técnicas recomendadas aos adultos. Recordo-lhe que os mancebos submetidos ao kandanji são os futuros adultos da comunidade.

Soberano Canhanga

Anónimo disse...

Cultura COKWE em Saurimo

que agradavel surpresa ter descoberto esta pagina, li com voracidade porque estou a residir numa zona do mundo onde se ouve falar muito pouco de Angola e ainda menos da cultura angolana que no entanto é de uma riqueza e uma influencia imensa na cultura artistica mundial , ou pelo menos é o que transparece...
estou em França on de com meia duzia de angolanos criamos uma associação cultural angolana, os franceses aderem em massa mas não conhecemos muito da nossa cultura... o que transmitimos não é muito fiavel mas uma pergunta se impõe O Lundu ou Lundo é um ritmo da cultura COKWE? ou està relacionado com ela? ...convido todos a pesquisarem no net sobre o LUNDU é extraordinario a influencia desse aspecto cultural de tão pouco se fala em Angola

Obrigado ao Jornalista

Celso Rosa disse...

Num país como Angola, um Estado com muitas Nações, há sempre a possibilidade de um risco! Sou angolano, e para além disso antropólogo, e contra mim próprio falo quando identifico erros graves que em termos históricos antropólogos, sociólogos e tantos outros agentes culturais têm cometido: valorizar e defender culturas concretas por oposição a outras.

Foram os Cokwe, ou Tshokwe, ou Quioco, que me levaram à antropologia. Quando criança, passava horas, tardes inteiras, olhando livros de fotografias dos Lunda Cokwe, contemplando a sua riquíssima cultura material (a que mais me fascina no panorama de África) sonhando com um mapa de Angola em frente de mim com a sua geografia nas Lundas.

Hoje tenho 33 anos, e apesar de ter estado em Angola nunca fui às Lundas, o que espero poder em breve fazer. Mas ver este artigo aqui escrito e tomar consciência da preocupação da manutenção da culltura Lunda-Cokwe deixou-me bastante satisfeito. Também satisfeito me deixou a notícia de o Museu do Dundo ir ser reaberto brevemente. Faz-me crer que ainda há tempo para que eu possa, talvez, um dia estar com quem sempre tanto me fascinou.

A unica chamada de atenção que faço nestas questões de valorização cultural de um povo é para o que se passou entre Utus e Tutsis, ou por exemplo na Albânia. Estou convicto que nunca será o caso em Angola, mas por vezes estas tendências que certos estados (coadjuvados por antropólogos sem visão de futuro, entre outros) possuem de valorizar aspectos culturais de um povo em detrimento de outros que habitam o mesmo Estado, um mesmo espaço físico de um país, pode levar a situações de erradicação e de limpeza étnica, para o que muitas vezes contribui o trabalho dos agentes culturais como eu próprio.
No entanto fico feliz pelo que li, pois esse povo é-me por demais querido. Só espero que a valorização de grupos culturais de Angola (a maior riqueza desse país, na minha opinião) não se faça nunca pela desvalorização de outros grupos. Para isso pessoas com "olhar atento" como o autor deste blog nunca serão demasiadas, em Angola como em qualquer outra parte do mundo, para actuar como fiel de uma balança que jamais poderá pender para lado algum.

Hoje possuo como um bem precioso uma dessas máscaras Pwo, a qual contemplo horas sem fim e da qual sinto o cheiro a fumo quando entro no meu quarto e só me apetece sonhar com o regresso a casa... Angola impõe-se.

Forte abraço a todos.

Anónimo disse...

OLÁ! ESTOU MUITO ORGULHOSO DE TODA EQUIPA QUE TRABALHA EM PROL DA DIVULGAÇÃO DA CULTURA COKWE, SENDO MUITO AGRADAVEL CONHECER-MOS A NOSSA ÊTINIA E A NOSSA HISTÓRIA. MUITO OBRIGADO A EQUIPA QUE BUBLICA ESTES ARTIGOS.
ABRAÇOS DO VOSSO PUTO, MANUEL NDONGE(MOXICO)