Translate (tradução)

quarta-feira, setembro 18, 2013

AS TRÊS DIMENSÕES DO(s) 10ENCANTOS DE SOBERANO CANHANGA

Por: Nguimba Ngola
Setembro é o mês em que nasceu Agostinho Neto e no dia 17 nosso poeta transita. O povo lembra-se dele nas várias dimensões da sua vida, como poeta e político.  Na Cidade Diamante, a cidade da Pedra Brilhante, Neto também foi lembrado. Várias foram as actividades.
Na manhã do dia 16, o anfiteatro da Escola Média Politécnica, transbordou literalmente de alunos. Sim. Plateia jovem ouve atentamente a governadora, Cândida Narciso, palestrando sobre Agostinho Neto. Em seguida, vem a apresentação do terceiro (O Sonho de Kaúia, Manongo-Nongo, 10encantos) livro do escritor Soberano Canhanga, jovem de Libolo, onde nasceu há 37 anos… A mim coube a missão, desnecessária (?), de apresentar o livro que, depois de alguma relutância, aceitei porquanto tinha sido indicada outra apresentadora que por motivos alheios não se fez presente.
Poetas: Soberano Canhanga e Nguimba Ngola
Soberano é um dedicado “bloguista”. Tomei inicial contacto com seu texto poético no seu blog “10encantos” que é o título do mais recente livro publicado. Já na sua forma gráfica, cuja apresentação não deixa a desejar, peguei o “filhinho” do Soberano entre mãos, acariciei-o, senti-lhe o cheiro agradável, passeei brevemente nos textos, para constatar o modo de arrumação. Enquanto isso, a voz no microfone anunciava o nome Nguimba Ngola para tomar o lugar. Um friozinho toma conta de mim, é grande a responsabilidade, câmaras, olhares atentos expectantes da apresentação, “é o tio dos livros do tchilar…” ainda ouvi da plateia. Som e palavra é igual a poder. Ganhei o poder e comecei. Tirei partido da apresentação para o aconselhamento dos jovens sobe a importância da leitura. No final, as palmas. Ah, que alívio! Acabou, não é nada fácil falar ao público. Já no aconchego dos lençóis, eis que meu anfitrião comunica que lhe foi pedido o texto da apresentação. Não o tinha. Antes as notas rabiscadas em papel qual esboço orientador do pensamento. Um pequeno lap top foi-me entregue. Agora escreva o texto, disse-me Soberano Canhanga.
 
10encantos do Soberano
Analiso a poesia desencantada do Soberano em três dimensões: Dimensão textual, dimensão social e dimensão espiritual.
Os textos do Soberano se nos apresentam com uma estrutura externa não tradicional, não encontraremos formas fixas como o soneto. Sim. Os textos são desprovidos de métrica, impera porém o verso livre que deixa margens para maior criatividade e liberdade ao poeta.
Ainda assim, elementos poéticos básicos podem ser observados como a rima “Revejo/ num quarto agora vazio/ esse teu corpo tão esguio// Recrio/ emoções e amores loucos…/ voltam à vida aos poucos// Reencontro/ espalhados pelo chão/ roupas, beijos e paixão!” (in Sem medo, pg 85). O ritmo também confere beleza nos vários textos 10encantados. É sentir, por exemplo, “À fala com os meus botões” onde “tarda o sono/ nos sonhos a traição…” (pg 103), ou ainda “tórrida e sofrida/ minha pátria/ dorida…” (pg 53).
A linguagem poética, em muitos textos, torna-se expressiva pelo recurso de figuras e tropos, assim que encontraremos “pretinha cor de nuvens”, “espertinha na quilometragem da idade”, “o sol já brinca no quintal”, “fustigai-vos ó ventos/ maltratai-vos ó águas/ façam-se remoinhos”, “no além da curva sanitária/ morre o sémen preguiçoso”.

A dimensão social dos poemas do Soberano Canhanga, reveste-se de textos, alguns dramáticos, porém apontado esperanças, “e sonhos de liberdade”. Sinto isso no poema “Êxodo” (pg 29). Quem não constata hoje, o drama nas vidas de muitos que “ontem/ na sanzala/ gente farta gritando/ canções alegres, intrépidas!”? E “Hoje/ na cidade/ gente magra/ esfarrapada/ entoa baladas tristes”… Profunda para todos, pois o contrário seria como diz o sujeito lírico do Soberano Canhanga apenas “paz podre” (pg 61), “paz sem perdão/ é tentar esquecer/ sem dar o braço a torcer/ não é paz, é podridão”.
Eis então que no que depender de todos nós, devemos buscar sempre a paz. Sensível, o poeta, ante o drama da transição (morte), pede a que se chore a “mãe-grande”, mãe de seu “grande kota José Caetano”, “com prosa e poesia…// com pintura e escultura/ choremo-la com realidades e ficções/ choremo-la com ARTE!” (pg 33). São os 10encantos do poeta, desabafos e choros, “o mundo enfrentar/ sofrer (?)”. 
O fenómeno prostituição também é motivo lírico pois pululam ao vento “kitata kuribeka”, que deixam suas tetas moribundas serem sugadas “no leito da morte”. Hoje é intensa a correria ao “álcool barrigudo” e, despudoradamente, vão “xaxatando nádegas flácidas” “mbunda ya kitadi”, “mbolo ya kizwa/ kufwa kidi!” (in na cama de hotel, pg 18).
O falante lírico vive intensamente suas paixões, descrevendo-as com nostalgia, rememorando sonhos e traições, e muitas vezes encantando-se  com a beleza da(s) sua(s) amada(s).
Na dimensão espiritual, vejo o poeta convocar-nos para o cultivo. “Vinde e cultivai/ que é próprio o memento!” É o momento de amar verdadeiramente pois “ o nosso amor é a importância que nos atribuímos”. Todos aqueles que se furtarem ao verdadeiro amor devem perceber “que é chegada a ceifa” , “é chegado o julgamento/ do Cefeiro que chega à hora”, eis a infalível reintegração cósmica. O eu lírico confronta-se com a realidade mística “há vezes/ em que não sou eu quem age/ mas o oculto” (pg 44). Sim. É a inteligência universal comunicando.
Saurimo, 16.09.2013.

Sem comentários: