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quarta-feira, fevereiro 26, 2014

ALÔ, SENHOR DEPUTADO, GRAFIA DAS CIDADES VAI AO PARLAMENTO

Acabo de ler no jornal de Angola (edição de 26 de Fev. 2014) que o Ministério da Administração do Território vai levar ao Parlamento, para debate e provável aprovação, uma proposta de Projecto de Lei sobre as denominações das províncias, localidades e municípios do país que está a ser preparada.
Lê-se na notícia que Bornito de Sousa, o Ministro, falava durante um encontro com jornalistas e esclareceu que o seu Ministério vai adoptar novas grafias para algumas províncias, tendo exemplificado a retirada da letra k e a introdução do c.
O Ministro informou ainda, cito o Jornal de Angola, que os topónimos para as comunas, municípios e localidades “têm como base a grafia em português, a língua oficial”.
Uma fonte conhecedora do assunto escreveu (F.B., 26.02.2014) que o que o MAT orientou aos media para aplicação rigorosa é “uma Portaria de 1971, de 12 de Fevereiro, sobre a Divisão Administrativa e Toponímia da então Província Ultramarina de Angola, a fim de buscar uma harmonização da grafia”, sendo que, segundo ainda a mesma fonte, “o MAT está a querer ser apenas rigoroso e agir em conformidade com o que está legislado”.
Na busca de uma Lei nova que esteja adequada com a nossa realidade actual, com a nossa cultura, segue a fonte, o MAT está a preparar o projecto de Lei sobre a Toponímia que será trazida a debate público para as contribuições de todos e, desta forma, em conjunto, encontrar-se a melhor solução para este problema.
Três  perguntas:
- Por que foi “impingida” aos órgãos da comunicação social a aplicação rigorosa de uma lei de 1971 que corrige para pior determinados topónimos surgidos ou já rectificados no pós-independência? Coloco aqui o exemplo do Kuando Kubango e Kwanzas Norte e Sul.
- Afinal de contas, que documento o MAT pretende levar ao poder legislativo? O projecto de lei ainda desconhecido ou a Portaria de 1971 que não admite a utilização das letras K, W e Y (constantes dos alfabetos convencionados pelo nosso Governo através da Resolução 3/87 de 23 de Maio, do Conselho da República)?
- Na eventualidade de se pretender levar ao Parlamento ou a uma consulta mais alargada uma nova proposta de lei, com que contribuições, dos mais distintos círculos da sociedade angolana, conta o MAT na fase de elaboração do documento?
Pedido aos ilustres representantes do povo à Assembleia Nacional
 Senhor Deputado, a grafia das cidades vai ao parlamento. A decisão está no seu voto.
Kumbi lyu tunga zemba lyu xika mwixi! (O dia de construir o palácio é o de assobiar!). Não se pode perder uma oportunidade singular.
 Se você é um deputado defensor dos valores africanos de origem bantu, defensor das nossas origens, da grafia dos nossos nomes de acordo aos significados que encerram e a nossa identidade cultural, sei que vai votar CERTO.
 Basta reflectir no seguinte: o nosso maior rio de Angola que dá nome à nossa moeda deve escrever-se com CU ou com KW?
·      Espero que até à chegada da proposta de lei ao poder legislativo, os representantes do povo consultem sociólogos, linguistas, antropólogos e historiadores, para que o trabalho de casa esteja feito. Que os deputados da maioria e da minoria não cumpram apenas a "disciplina Partidária”. Estudem o assunto, busquem consultoria, façam o “dever de casa” e votem em consciência representando os vossos eleitores.
Até lá, até que se esclareça se o que vai ao Parlamento é a Portaria de 1971 ou uma Nova Lei, espero que consigamos (opinion makers) influenciar os Governantes e Legisladores, discutindo e opinando de forma aberta, alargada e desapaixonada. Vamos buscar consensos. Vamos buscar posições que não nos levem a mudar de leis quando um dia vierem outros homens a governar Angola. O Partido pode ser o mesmo mas os homens e as mentalidades, tenho certeza,  serão diferentes.
Seja o que for e venha o que vier. É preciso investigar, idoneamente! 

 

sexta-feira, fevereiro 21, 2014

A "GUERRA" DOS TOPÓNIMOS: FINALMENTE UM PASSO

O aeroporto do Namibe deixou de se chamar Yuri Gagarin e foi rebaptizado com o nome de Welwitchia Mirabilis. Em rigor, apenas homenageou-se um austríaco em vez dum russo, pois a  planta que existe no deserto já era designada pelos nativos por ntumbo, tendo sido cadastrada pelo botânico Fredrich Welwitch com a designação de Tumboa. Apenas depois da sua morte, e em sua homenagem, a planta rara ganhou o nome actual  (Reginaldo Silva, fb, 13.02.2014).

Apesar de se ter apenas mudado o nome de um russo para um austríaco, tomei nota, com bastante agrado essa evolução no pensamento político-cultural dos governantes angolano. Chego à conclusão de que, afinal de contas, sempre será possível rebaptizar os topónimos angolanos de origem bantu, atribuídos e registados, muitos de forma errónea e ao acaso,  pelos portugueses. Para os povos  bantu, cada substantivo/nome encerra um significado. E mais, o CICIBA (Centro de Investigação das Civilizações Bantu), e mesmo as autoridades angolanas (Resolução 3/87 de 23 de Maio, do Conselho da República) convencionaram alfabetos para as nossas línguas, devendo a redacção dos topónimos e antropónimos bantu obedecer a estas convenções.

Continuo a considerar que os topónimos angolanos cujos registos não correspondem à redacção correcta, nem ao significado que encerram devem seguir o “caminho do aeroporto do Namibe”, ou seja rebaptizados e registados.
O estudo da Direcção Nacional de Organização do Território, Ministério da Administração do Território, sobre Divisão Política-Administrativa e Toponímia de Angola apenas ganha os meus elogios por ter enumerado e codificado as províncias, os municípios e as comunas do país, sendo necessário também serem “provisoriamente” nomeados. Dada a ausência de um estudo e discussão abrangentes sobre a redacção exacta dos topónimos de origem bantu, obedeceu-se apenas, neste caso, às designações da administração colonial.
Com todo o respeito que me reservam os responsáveis do MAT, com quem tenho uma comunicação aceitável, não me revejo na obrigatoriedade dos media angolanos adoptarem essa redacção colonial como se o “documento em construção”  tivesse força de lei.
Haverá incapacidade, de nossa parte, para se fazer um estudo etimológico dos nomes bantu da nossa toponímia? Reitero. Não aceito que a nossa moeda, de que todos nos orgulhamos, o Kwanza, seja grafado com KW e o rio de quem ganha o nome seja CU.
À semelhança do aeroporto Yuri Gagarin, que passou a chamar-se Welwitchia Mirabilis , espero que as províncias que ladeiam o rio Kwanza sejam grafadas como deve ser ou que a nossa moeda se escreva Cuanza em vez do habitual Kwanza.
Que a capital da Lunda Sul seja Sawlimbo e que a província do sudeste de Angola seja Kwando-Kubango e a sua capital Vunonge.
Que um dos municípios do Wambu (Huambo) seja Cikala Co Lohanga e que a antiga cidade de Silva Porto seja escrita Kwitu-Vye…
Pode ser que o tempo me derrote, mas não custa nada debater e buscar consensos alargados. O país, a sua história e futuro, a todos diz respeito.

sexta-feira, fevereiro 14, 2014

CRUZES DE FEVEREIRO

As cruzes estarão cheias
Repletas de gente que não acredita
Nem embarca nas táticas dos que querem vender
 

E vendem...Cada vez mais à custa dos que acreditam em fadas
O mercantilismo vai virando a cabeça das pessoas
Inventando modas que se tornam mundiais
Há entretanto os "ateus", os incrédulos
E os que, para escapar à pressão mundial,
Preferem desligar-se emigrando
Em datas como esta, para um outro qualquer planeta
Ainda não infestado pela febre do consumismo.

O 14 de Fevereiro é só mercantilismo
Onde amor se mede em moeda corrente
E onde, em vez de corações,
Palpitam saldos de contas bancárias...

Que chovam dilúvios de críticas
Que se quebrem os telhados
Que se esvoace a folhagem arbórea
Para que, neste dia, tudo se aparte de mim!
Porque eu, desculpem, não embarco!

Eu não acredito!

quarta-feira, fevereiro 12, 2014

PAPEL SOCIAL, POLITICO E ESPIRITUAL DAS MISSÕES EVANGÉLICAS NO PLANALTO ANGOLANO


Nova cidade do Kwito
Mbalundu: monumento do soma Ekwikwi II
Três anos depois, voltei ao Kwito, Vye. Não foi uma viagem pacífica como a última em que o meu Nissan Almera se fez deslizar alegremente pelas estradas ainda a cheirar asfalto. De Luanda ao Alto Ama (Huambo) há buracos que já preocupam e que podem provocar mais dores de cabeça ainda. Do Alto Hama ao Mbalundu, Kacyungo, Cingwari e entrada do Kwito a vida na estrada é outra. Um mimo. Um mimo que perde graça apenas dentro da cidade, com maior pendor para os desfiladeiros das águas pluviais.
Apesar de possuir estradas resseladas, na cidade do Kwito há novos buracos que reclamam por reparação, sendo  a rua Silva Porto um exemplo do que está mal e que precisa, com urgência, da mão de quem sabe e tem poder, antes que o asfalto desapareça.
Entre melhorias, assinalo a semaforização das ruas do casco urbano. Os semáforos são alimentados por placas solares. Nota positiva. Os bienos me parecem mais orgulhosos de sua terra e mais alegres. Há coisas novas como a nova cidade que se ergue no Cisindo, à entrada da antiga Silva Porto.

Em missão fúnebre, desloquei-me a Kamundongo, missão evangélica (IECA) que fica a 22 km da cidade de Kwito. Aqui, o que mais me despertou a atenção foram as vivências dos "missionistas", o passado, o presente e o legado histórico. Vejamos:

1-      FORMAÇÃO ACADÉMICA E POLÍTICA- Só conhecendo-se e conhecendo o mundo à volta e as suas relações de interdependência, o homem se podiam aperceber da sua situação humana e social. Quando o governo salazarista estava “concordado” com a igreja católica, as missões evangélicas desempenharam um papel relevante na formação e despertar do "homo angolanus".
- Com o conhecimento sobre a natureza, os angolanos ganharam consciência sobre a situação política e social, dando vazão à génesis do nacionalismo. – A repreensão pidesca contra os iluminados nacionais negros levou à terra a ideia de uma revolução política não violenta. Os iluminados da missões sentiram-se na obrigação de servir de candelabros para outros angolanos na grande marcha para a liberdade, quer ensinando-os a ler e escrever, quer politizando-os.

 2-  CAMPO ESPIRITUAL/RELIGIOSO E SOCIAL- Os negros africanos ganharam conhecimento/orientação para explicação monoteísta da existência humana, bem como sobre a vida ultra-tumba.
- Foram incutidos sobre a missão social e fraternal, fundada na igualdade entre os seres humanos e necessidade de partilha equitativa dos recursos e apoio àqueles que mais carências têm em termos de recursos para a sobrevivência (caridade).

- As crenças pagãs foram substituídas pela crença na ciência e na teologia e os hospitais substituíram os “ovimbanda”, proporcionando uma vida com maior qualidade.
Pelo acima enumerado e muito mais, acho mesmo que os jornalistas angolanos deviam visitar missões protestantes como as do Késua (metodista em Malanje), Cileso, Voga, Cisamba, Dondi, Kamundongo, Cilume e outras missões evangélicas,  para as conhecer e dar as dar a conhecer. Pois foi grande o papel desempenhado por aqueles templos, escolas e hospitais para a formação académica, intelectual e espiritual dos angolanos do planalto e não só.

OBS: a grafia dos topónimos obedeceu ao alfabeto das línguas bantu.

quarta-feira, fevereiro 05, 2014

AS TRÊS MULHERES DE KAMUNDONGO

- Tu kusiña kimbo lya vel´apo! (Encontrar-te-emos na aldeia celestial!) – Cantava de forma angelical o coro da sociedade de mulheres da IECA que acompanhou Celita Adolfo à sua última morada.
A octogenária nascida e crescida na missão de Kamundongo (Kuito-Bié), onde se formou e louvou, manifestara, em vida, o desejo de ser sepultada junto de seus familiares e contemporâneos cujos restos repousavam já em Kamundongo.
Os filhos, sobrinhos, netos e bisnetos, contados em centenas, não fizeram mais senão cumprir o pedido da antiga diaconisa.
- Vamos levar a avó a Kamundongo e cumprir com o seu último desejo. - Afirmaram entre tristeza e alegria.
Tristeza porque era uma biblioteca que ia a enterrar. Alegria porque a sua obra apontava para um descanso merecido ao lado do Senhor. Dai a canção “Tu kusiña kimbo lya vel´apo!”
A missão de Kamundongo fica a 22 quilómetros da capital biena. À semelhança das missões homólogas do Chilesso, Dondi, Chissamba, Chilume, Vouga, entre outras, Kamundongo viu nascer e formou homens e mulheres que tiveram um papel relevante no surgimento da consciência nacionalista angolana, na luta pela emancipação dos angolanos e no processo de criação da nossa nação (ainda em curso).
Inicialmente como professora de artes e ofícios e mais tarde como parteira, Celita Adolfo, nascida em 1928, foi uma mulher que fez o máximo que pôde pelos homens e pela sua IECA de que foi diaconisa. Teve, por isso, a merecida homenagem de despedida na Igreja Central do Kuito, também designada por “Catedral da Paz”, e um elogio fúnebre à dimensão da Grande mulher que foi.
Troço da picada que nos leva a Missão de Kamundongo
Em Kamundongo, localidade alcançável em tempo chuvoso apenas com recurso a carros todo-o-terreno e com pontecos a reclamar por reparações, as árvores frondosas que guardam a memória de notáveis homens e mulheres da sociedade Biena e não só, acolheram as centenas de pessoas que foram ao último adeus a Celita.
Uns cantando, outros acompanhando apenas os coros mas guardando reverência e expressando nos seus rostos comoção, outros ainda mais soltos nos gestos e mais alegres nos semblantes, duas mulheres se destacam entre a multidão.
Uma é idosa. Tem o netinho às costas. Setenta ou mais anos, indicam as rugas e a flacidez da epiderme. Está toda apossada de tristeza, como quem quer dizer, mas sem força, sem fôlego “sempre estivemos juntas, por que me deixas nesta cidade provisória”? Despejada de quase tudo, dos amigos de infância e adolescência, das colegas dos coros em que cantou, despojada talvez de filhos e netos ao longo das carnívoras guerras travadas no planalto central angolano, a idosa só podia oferecer a sua comoção, enquanto panos já envelhecidos de tantas lavagens cobriam seu corpo quase secular como também amparavam o “nekulu” que cabriolava despreocupado nas costas.
Noutra frente, uma jovem há pouco saída da adolescência, disputava com as amigas o melhor cabelo emprestado e grife da tarde sem sol, nem chuva. Com um vestidinho colado ao corpo, como se fosse sua pele, e a mostrar as encostas das nádegas, a jovem estava pintada à moda de mulheres da vida. E como nestes eventos a vaidade e a petulância vivem juntas, lá estava ela totalmente singular, exibindo as chaves de uma viatura que seu trabalho honesto e limpo ainda não permitem comprar. Se calhar, esteja também a sonhar com uma despedida e um  repouso eterno em Kamundongo… Porém, para lá chegar, terá antes de conhecer e seguir as peugadas de Celita Adolfo e ter como guião a fé, boas obras, honestidade e moderação.
Kamundongo, Kuito, 04 de Fevereiro de 2014.

Publicado no Jornal Cultura, edição nº 148 de 21 Nov-04 Dez/17