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terça-feira, dezembro 08, 2015

ENTREVISTA À REVISTA ÁFRICA TODAY


AT 129 – Sociedade
– Luciano Canhanga
1.       Jornalista há vinte anos, costuma dizer que não é escritor, apenas um contador e descritor da sociedade. Como observa a sociedade angolana contemporânea e as suas transformações nestes 40 anos de independência?

Quarenta anos é quanto terei daqui a nada. Tudo o que sei da sociedade pré-independência é fruto de leituras e de ouvir contar. Sigo as entrevistas do Drumond Jaime e Helder Bárber aos obreiros da luta pela emancipação de Angola. Eu mesmo, enquanto jornalista fiz várias entrevistas que me ajudaram a compreender o quão difícil foi a vida para os nativos negros no tempo de outra senhora. Era uma vida abaixo de cão, quando os cães deles tinham direitos humanos. Isso fez com que muitos intelectuais e assimilados daquela época abdicassem das suas mordomias e encetassem uma revolta que nos conduziu à independência. Podemos também abordar as transformações no campo do conhecimento e das ciências onde se contavam aos dedos os negros com formação e ocupando lugares de destaque na administração colonial. Em termos de infra-estruturas herdamos também muito pouco dos cinco séculos de colonização, quando comparado com o muito que se ergueu nos 40 anos de independência e com maior realce para os últimos 13 anos. Sou fruto da independência e sinto que temos vindo a somar em todos os domínios, até no campo literário.

2.       Agostinho Neto está presente na sociedade angolana? Ainda se sente o seu legado?

Tem sido recordado em Setembro de cada ano, e algumas vezes quando saudosistas como eu recitam os seus poemas ou as suas palavras de ordem como #Nós somos milhões e contra milhões ninguém combate#. Há um despertar de consciências que quase adormeceram mas ainda vamos a tempo. A conclusão do seu memorial na Praça da República, o erguer da sua estátua no Largo da Independência, a colocação de seus bustos em vários largos das nossas cidades, a feitura de ensaios sobre Neto, a reflexão sobre seus escritos como #Adeus à hora da largada#, entre outras actividades, configuram acções que vão perpectuar e elevar Neto à sua verdadeira dimensão, sem os chavões reducionistas e utópicos doutrora. O legado de Neto é inapagável e incontornável.  

3.       Com cinco livros publicados entre 2010-2015, assina com o pseudónimo Soberano Canhanga. Porquê a escolha?

Sou neto e homónimo do Soba Canhanga da região de Kuteka, nas margens do Longa, entre Libolo e Kibala. Para quem já era tratado como Soba Kanhanga, daí para Soberano foi meio caminho. Sem grandezas ou imodéstias, foi essa a razão da escolha do pseudónimo.

4.       Bloguista desde 2005, tem seis blogues, escrevendo sobre aspectos antropológicos, sociais, históricos, comunicacionais. Considera esta plataforma uma extensão do jornalismo contemporâneo?

Indubitavelmente, o jornalismo tradicional focado para a simples transmissão do facto actual e de interesse público vai perdendo terreno para a media alternativa. Sem poder exercitar o jornalismo puro, encontrei nos meus blogues a forma de participar neste edifício informativo e comunicacional. E, sinto-me regozijado por ter sido ponto de partida para reportagens com profundidade elaboradas por jornais e rádios de Luanda. Nos meus blogues tanto informo, partilho pontos de vista, como também formo. O jornalismo hoje tende mais para a análise e interpretação dos factos, deixando, aos poucos, o anúncio dos factos para os blogues, facebook e similares.   

5.       A internet e as redes sociais têm contribuído para a produção dos novos autores angolanos ou, pelo contrário, poderão dispersar ou mesmo apagar o passado, as referências?

Vejo a internet e as redes sociais mais no sentido positivo da partilha de informação em curto espaço de tempo e sem necessidade de muito aprumo. Muitos artistas de hoje só são conhecidos graças a essas novas ferramentas de difusão. Aliás, o conceito de blandig marketing ganha cada vez mais corpo hoje. Nenhuma promoção é eficaz se não abarcar a componente dos novos medias ou alternativos. A conservação das informações em termos de facebook, por exemplo, é ténue, porém os blogues e os sites que estão conectados ao google conservam a informação e até permitem o acesso rápido às memórias. Vejo mais vantagens do que desvantagens.

6.       Que análise faz da nova vaga de autores angolanos? De que forma se relacionam com os consagrados?

Tenho ainda pouca idade para comparar a interação entre os artistas de gerações distintas no passado e no presente. Das idas constantes à União dos Escritores Angolanos, na década de noventa, enquanto estudante do ensino médio, posso aferir que me parecia haver maior intercâmbio entre as gerações daquele tempo. Entendo também que as preocupações e as limitações temporais eram outras. Hoje está todo o mundo a correr e a procura de algo que ninguém encontra. Há pouco tempo para os consagrados dedicarem aos que anseiam por um lugar ao sol. Mesmo para ser acolhido na penumbra, o indivíduo precisa de ter sorte. Felizmente, tive a sorte de encontrar dois guias, o angolano Tazuary Nkeita e o Armando Graça, um reformado português com passagem por Angola. Foi com a ajuda deles que dei forma aos meus primeiros três textos publicados. Para dar de graça os ensinamentos que deles recebi de graça adoptei a Mãe dos Setinhos que deve apresentar o seu primeiro trabalho ainda em 29015, como também criei na Lunda Sul o Núcleo de Jovens Amigos da Literatura que funciona como escola solidária onde os membros se auto ajudam a aprimorar a técnica da escrita e a língua veicular em Angola.

7.       Na sua escrita recorre a paralelismos entre a vida humana e o mundo animal. Considera o Humano divorciado da Natureza?

Para um individuo nascido numa fazenda cafeícola, sem mais nada à volta senão a selva, a vida está frequentemente associada à natureza. Basta ver a semi-floresta que é a minha casa. Os homens, para mim, são apenas seres naturais que escolheram uma forma de vida distinta dos outros animais. A natureza está presente em todos os nossos actos. Até mesmo o lado animal reside em nós, e emerge em alguns momentos de menor razão.  

8.       Nos seus textos, considera que o homem é um “ser gregário e solidário que necessita da associação, cooperação e interdependência com os seus semelhantes”. São estas as fundações de Angola?

De facto, só juntos. Só pensando na mesma direcção com vista a um objectivo comum, seremos fortes e capazes. Há já muitos anos que o ser humano vem provando que as grandes realizações só se tornam possíveis quando os homens se congregam, traçam objectivos que a todos satisfazem e trabalham para atingir tais desideratos. No nosso caso, a pacificação, a reconstrução e a construção de um Novo País devem ser as nossas metas, independentemente das convicções ideológicas.  

9.       Termos como empreendedorismo e diversificação são os alicerces do futuro da Nação?

Primeiro devemos desmistificar o que muitos angolanos carregam no seu subconsciente de que #Somos um povo e país muito rico#, como se os recursos naturais, no subsolo, uns ainda por estudar, outros por recuperar, fossem riquezas factuais mesmo sem tecnologia e conhecimentos. A principal riqueza deve fundar-se no conhecimento e no trabalho. Depois, temos de explorar todas as adjacências e deixar de depender de um só produto de exportação para que haja menos importação e fontes alternativas para entrada de divisas. Temos também de deixar de nos envergonhar em fazer pequenos negócios. Basta ver quem detém o comércio retalhista quando há milhares de angolanos de mãos estendidas para ganhar um pão. Fazer negócios limpos deve ser vocação de todos nós e não apenas de expatriados. O  Governo deve é continuar a criar legislação e serviços que facilitem o estabelecimento de pequenos negócios. Os serviços públicos, quando necessitem, devem recorrer aos empreendedores para que se desenvolvam e se fortifiquem. 

10.   Pegando nas palavras de Nelson Mandela, considera que “o melhor ensino é o exemplo”? Que evolução nota no sistema de ensino nacional?

Mesmo na minha língua materna (meus primeiros diálogos foram em Kimbundu) há um adágio que reza que todo o ensinamento só se torna sólido se seguido de uma exemplificaçao. Não basta falar. É preciso demonstrar ou exemplificar. Como profissional e como académico, essa tem sido a minha práxis. Quanto ao ensino em Angola, considero que já foi melhor nos anos que se seguiram à independência, quando ainda reinava a palmatória e a reprovação por notas baixas. Hoje, me parece que se está mais para os diplomas do que para os conhecimentos e até alguns pais e encarregados de educação, em vez de inculcarem nos filhos a busca de conhecimentos, concentram-se mais nos diplomas. Só isso justifica o exército de consultores expatriados que temos nas nossas instituições. Estudamos mal e nos contentamos em pagar rios de dólares a alguns doutores de qualidade duvidosa.

11.   A História é um meio de analisar o passado para entender o presente e olhar para o futuro. Nesta perspectiva, quais os maiores desafios de Angola?

Fui estudante de História e tenho um pouco dessa vocação de olhar para o passado. Os angolanos têm a obrigação de escrever a sua História de forma desapaixonada. Sei que há um esforço nesse sentido. Organizações como a ATD (Associação Tchiweka de Documentação), a RNA, a LAC e outras, vão recolhendo testemunhos que podem servir os redactores da nossa verdadeira História. Daqui a nada, os arquivos ainda classificados se abrem e os Historiadores terão matérias para contar, de forma equidistante, a nossa trajectória como país. Há também muitos livros de cariz histõrico e de memórias como os dos nacionalistas Lúcio Lara, Dino Matrosse, Kundi Paihama, José Chiwale e o professor Jean Michel Mabeko Tali, só para citar alguns. São contributos de extrema vitalidade para que um dia saibamos que exemplos preservar e quem foram, na verdade, os heróis da nossa História.   

12.   Aquilo que foi preconizado em 1975, está hoje a ser cumprido?

Calculo que algumas coisas tenham sido cumpridas e outras por cumprir. Tivemos condicionalismos endógenos e exógenos que desviaram as atenções dos nossos dirigentes. É obvio que sempre que entrevistei, enquanto jornalista, os obreiros da independência, alguns diziam que o país tomou um rumo distinto daquele que haviam desenhado. Também é obvio que não tinham sonhado com a guerra civil nem com a queda do Socialismo que inspirou os seus sonhos. O meu balanço e a minha perspectiva é de que devemos olhar para frente, corrigir o que nos correu mal e não cometermos os erros do passado. O país chama-nos para uma nova atitude.

13.   Com 40 anos independência, estamos perante uma Angola emancipada?

Emancipada do jugo colonial e das potências com ambições desmensuradas em nossos recursos naturais. Já canto a música #em Angola mando eu#. Porém, tal como os homens são gregários e interdependentes, assim são também as relações entre os Estados. Precisamos ainda do apoio de outros Estados com os quais mantemos relações amistosas para desenvolver o nosso país. 

14.   Que individualidade melhor personifica a essência angolana?

Estou perante uma pergunta fácil de resposta difícil. Calculo que cada angolano encontre no nosso mosaico cultural e político um líder que o inspire e que siga como modelo. O verdadeiro angolano é mulher ou homem de paz, de acções ponderadas, , tolerante, solidário e optimista. A liderança máxima do nosso país tem essas e outras qualidades imprescindíveis.  

15.   Como projecta Angola a 10 anos?

Mesmo com a crise financeira que nos assola, seremos um país melhor para se viver. Vamos continuar a crescer intelectual e materialmente.


Nota: entrevista realizada em Novembro de 2015.

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