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terça-feira, dezembro 01, 2015

O ABRIDOR SE SALÃO

Nasceu na fronteira entre o asfalto e o museke (musseque). Estudou também no bairro e na industrial onde se fez homem culto e respeitado.
Costa, sua graça de baptismo, soa em muitos   lugares e países da região austral de África.
- Papá Costa, azali bien? - Questionam os franco-lingaleses procurando por conversa.
- How are you, mister Costa? -  Saúdam outros, os vizinhos do leste, sudeste e sul que herdaram a língua de Shakespear.

Depois de anos árduos de trabalhos e negócios, Costa já a caminho da aposentação, tornou-se mascote familiar. Os primos, sobrinhos e até netos querem ficar ao pé dele e aprender um pouco de suas brincadeiras, sempre bafejadas de humor, quando não são verdadeiras lições sobre etiqueta e comportamento familiar ou empresarial.

Sempre que questionado por que entende ele de quase tudo, a resposta sai-lhe curta e peremptória:  estou no meu décimo mestrado.
Em tempos, surgiu alegre como sempre, a informar aos irmãos e cunhadas com quem convivia que durante uma viagem de 24 horas a uma província do litoral angolano aproveitara fazer um mestrado de três horas.
- Três horas? Qual mestrado, mano Costa?! - Questionou a assistência expectante.

Costa era daquelas pessoas que quando começasse a falar a plateia abria-lhe as alas. Era o mais velho da família e a reserva moral a quem todos deviam respeito e obediência.
- Sim, começou ele a explanação a que o mais atrevido da audiência apelidou de “aula magna”, fiz um rápido Mestrado em abertura de festas de salão. - Explicou recebendo uma forte gargalhada, seguida de assobios festivos.
- Abertura de festas de salão? Kota Costa é bué, yá?! - Enfeitou um dos assistentes e admiradores.

- Sim. Até avanço já o preço. Cobro apenas uma ngala de pomada. E, se for pessoa de casa, pode até ser por crédito mas acreditem. Danço muito que até nem me estou a acreditar. Foi um curso muito bom e quero já anunciar que estão abertas as inscrições para interessados nos meus préstimos. Todos que me viram na exibição prática do Mestrado só diziam: esse é o mestre que a cidade esperava há milénios. - Explicou entre sorrisos.

- Mas o kota estava a ser aguardado há milénios ou no Millennium? - Voltou a provocar um dos sobrinhos. Entre os bakongu, sobrinho e tio têm conversa ilimitada. Apesar da diferença de idade podem tratar-se como se fossem contemporâneos, sem tabus nos temas em abordagem.

- Xê, seu sakana de mercadoria. Organiza uma festa e convida o tio para ver se as moscas não se vão alojar na tua boca de tanto a manter aberta e bater palmas. Até as mãos te vão ficar rachadas. - Rechaçou Costa, inclinando as últimas gotas de uma reserva alentejana de 14 graus.

- E então jovens, estão ou não dispostos a contratar? Já conto com vinte inscrições para 2015 - Apelou o mestre Costa.

A plateia fez sinal de aprovação e o debate prosseguiu. Zé da Costa pegou a sua taça de pomada, sorveu dois goles, sentiu a massudez da velhice daquele tinto e o sabor a reserva. Marcou uma dúzia de passos pelo quintal, ensaiou um assobio e retomou a sua publicitação:
- As inscrições a decorrer. Faço abertura de festas de aniversário, de casamento, de baptizado e até de amistosos. Não tardem em fazer as vossas reservas nem se esqueçam do pagamento. Uma garrafa de boa pomada é o valor mínimo para familiares e amigos chegados da família!

Obs: texto publicado no Jornal Cultura (Angola) de 7-20 de Dez. 2015, pág. 13.

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