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segunda-feira, julho 25, 2016

METÁFORA E EUFEMISMO NO GLOSAR KIBALÊS

- Kandonika wahi.
- Kihi kyamunzipi?
- Ngostu!
[A Antonica morreu.
De que pereceu?
De gosto!]
 
Gosto=SIDA
 
Metáfora=comparação aproximada entre entes e ou ideias com alguma semelhança (o pé da mesa é comparação).
Eufemismo= dizer por palavras brandas ou doceis aquilo que podia ser duro (ele foi para junto do pai em vez de morreu).
Aqui o termo "ngostu" pode ser enquadrado nas duas figuras de estilo da regra portuguesa:
1- SIDA emana do prazer ou gosto. Há breve comparação.
2- Morreu de SIDA é uma expressão dura. Substitui-la por "ngostu" é mais brando (eufemístico). Soa mais pomposo.
3- "Ngostu" é sinónimo de "ulesuka"= assanhadice que tb pode levar à morte consequente ao prazer.

segunda-feira, julho 18, 2016

EMPRÉSTIMOS, ADOPÇÕES, REJEIÇÕES E DISPENSAS


Como locutor atento de Kimbundu (Lubolu) vou notando que muitas palavras utilizadas hoje para designar ideias, coisa...s e sentimentos/estados não existiam há trinta anos, assim como algumas que ouvi pronunciar na infância estão hoje no armário.

Isso acontece com todas línguas vivas. Há gírias, calões e neologismos que quando popularizados são inseridos "naturalmente" no léxico e outras que, caindo em desuso, se tornam de u...so restrito/erudito ou passam para o arquivo.
A propósito disso, uma jovem universitária que estuda "as intrusões de linguas bantu na L.P. em Angola" escolheu como obra o meu "O Sonho de Kauia", livro rico em expressões Kimbundu, Umbundu e Ucokwe.
Perguntava-me se qual era a origem de uma lista de palavras retiradas do texto, mesmo aquelas que têm significado em rodapé.
Depois de uma analise, a conclusão só podia ser esta: alguns lexemas constantes do referido livro e apontados pela estudante foram emprestados/tomados do kimbundu mas são gírias e calões daquela língua, podendo, por isso, ser desconhecidos por alguns falantes do kimbundu noutras regiões.
Viva o dinamismo das línguas. Sou pela autonomização de qualquer variante de uma Língua, desde que a sua evolução natural a torne diferente daquela que a deu origem, e crie para si mesma uma NORMA
(Texto publicado originalmente a 06.07.2014, em Saurimo).

segunda-feira, julho 11, 2016

RETRATOS DO LIBOLO: APRESENTAÇAO DA OBRA


Quando somos dos últimos a falar, ou acertamos, completando o que não foi ainda dito, ou corremos o risco de ser redundante que deve ser a figura em que mais me enquadro. Porém, é também sabido que "o que ambunda não prejudica".
 
Senhoras e Senhores,
Excelências
É com grande honra que subo a esse palanque para uma missão difícil que é a de tentar apresentar o segundo volume da Obra Retratos do Libolo, inserida no "Projeto Libolo". Na verdade a obra já foi apresentada pelos autores e tudo o que farei será apontar alguns tópicos para aguçar a curiosidade de quem quem o vai ler.
 
Mais difícil ainda se torna a minha missão, por secundar uma figura incontornável da nossa literatura e intelectualidade libolense e nacional, o escritor Jaques Arlindo dos Santos.
Relutante, mas honrado, acedi ao convite e ao desafio, pois sou filho dessa terra e por ela também me tenho esforçado em dar-lhe a visibilidade e o conhecimento que merece na esfera nacional e internacional.
Carlos Filipe Guimarães Figueiredo é um amigo que a Ciência e as redes sociais me apresentaram. O Libolo, nossa terra, é apenas o ponto de partida e de chegada.
Imaginem, prezadas Senhoras e Senhores, ele em Macau ou Brasil e eu num distante Catoca, Lunda Sul, onde prestava Serviço.
A abordagem de temas comuns sobre a angolanidade e o nosso Libolo fez-nos próximos e aqui estamos.
Em Retratos do Libolo, Carlos Figueiredo que de forma destemida e desapaixonada (¿) palmilhou o território que se encontra entre os rios Luinga, Longa e Kwanza bem como a Estrada Nacional 120, apresenta-nos aspectos como a Geografia,  o relevo a Hidrografia e seus recursos, o clima, o solo, a fauna e a flora, o café do Libolo, e até insectos típicos.
No livro, encontramos ainda aspectos sociológicos, e históricos. Foi bom ler, por exemplo, que os nossos ancestrais foram os últimos a ser vencidos (mas não convencidos) pelos colonizadores. E já ia a findar a I Guerra Mundial.

As comunas de Kalulu, Kabuta, Munenga e Kisongu bem como as suas principais aldeias foram todas descritas  e fotografadas constituindo-se esse livro num documento de elevada importância histórica, social, antropológica e cultural.
- Haverá em Angola, nosso país, uma região, um município que tenha merecido tão detalhada radiografia?
Os meus conhecimentos, até agora, dizem que não.
E, ainda bem que somos os primeiros, pois sempre estivemos na fila de frente. Na resistência à ocupação colonial, no desenvolvimento das forças produtivas, na luta pela independência e agora na busca do conhecimento e valorização da Nossa Terra.
- Quem de entre vós conhece a Pedra Escrita de Kasala-Sala, com registo histórico, e outra que fica entre a Munenga e Lususu?
- Quem já visitou Kituma, Kuteka, Kabuta, Kitila, Kambaw, Kakulu-Kabasa, a Missão Católica e seu internato e a nossa Fortaleza da Liberdade?
Kalulenses, Libolenses, Kwanza-Sulinos, Angolanos e porque não os nossos amigos brasileiros que nos ajudam a conhecer o Libolo?!
O Libolo hoje é manchete na media nacional e internacional por causa do Clube Recreativo do Libolo, o que nos orgulha. Porém, há muito mais Libolo para a além do Desporto. Há um carnaval histórico. Há arte e imaginação. Há muluvu no Musende, Wala de Muxiri no Kisongu e carne de paca no Mukongu. Em todo o Libolo há um Kimbundu que flui e ritos de passagem para os rapazes. Há caçadas,  há namoro, o mesmo namoro que encantou Viriato da Cruz na sua carta em papel perfumado... Há casamentos e há divórcios também. Divórcio com o pensamento arcaico e despido de verdade científica.
Excelências,
Tudo o que vos disse não representa sequer um milésimo do que a obra nos proporciona, sendo que o melhor mesmo é adquiri-la e, com ela, imergir no tempo, nas comunidades, no chilrear das aves e farfalhar dos matagais.
Eventualmente alguém me pergunte:
- Será que estamos perante uma Bela sem senão?
Aqui, a minha resposta é peremptória: A minha sensibilidade artística e científica não consegue encontrar espinhos entre a Rosa que me foi dada a ler e a apresentar.
- É um trabalho de todo acabado?
A História, a cultura, as artes e tudo mais que envolvem um povo como o nosso, não se esgotam em dois livros. Os jovens nas suas aventuras e trabalhos académicos, os cientistas sociais do Libolo, no Libolo e na sua diáspora, os intelectuais de outros países como os amigos académicos brasileiro e macaenses que já vêm desvendando o Libolo, devem dar sequência. Devem complementar esses estudos que, repito, são de incomensurável valia e relevância.
Permitam-me fazer uma vênia aos patrocinadores cuja aposta propiciou o arranque deste Projecto. A eles se agradece e se pede coragem e continuidade de apoios para que tenhamos mais e melhores conhecimentos sobre o Libolo. Quem sabe, agora mapear e descrever os locais de interesse turístico e outros locais históricos?
E, despeço-me com uma breve que li recentemente, do meu amigo e também Lubolu-descendente, Drumond Jaime: “Enquanto mais conhecemos a Nossa Terra, maior é o orgulho de a Ela pertencermos”.
Muito obrigado pela vossa atenção.
Soberano Canhanga
Kalulu, Lubolu, 10.07.2016

sábado, julho 02, 2016

ESPREITANDO O KATAMBOR


Entre uma cidade (Alvalade) e outra urbanização (Prenda) encontramos um emaranhado de casotas (algumas evoluíram para kaprédios) sobrepostas no morro e com becos em degraus. A água, limpa ou negra, corre cima a baixo. Algumas crianças ainda brincam e correm entre estreitos desfiladeiros. Outras vivem confinadas nos quintais inexistentes.

- As casas iniciais terão sido mesmo feitas a base de chapas de tambores e daí o nome. - Contou-me um ancião que há muito desistiu ...da casota que erguera entre barrocas, num beco de "50cm".
 
Aprecio a alegria estampada nos rostos e nos largos falares (há lá muitos kwanza-sulinos) dos moradores do Katambor, mesmo encurralados (muitos), sem acesso para veículos. Mas, que tal deixar Quem de Direito requalificar a zona quando sairmos do aperto financeiro? Vejam só quão linda está a ficar a Boa Vista, a Kinanga, o Quintalão dos emissores do Cazenga, o Ex-Roque, etc.
- Pessoa morre, corpo já não passa em casa por causa do acesso? - Desabafou o ancião que trocou o Katambor pelo Rocha pinto.
 
Quando erguemos uma casa, mesmo precária ou em local precário, estabelecemos laços afectivos fortes com o imóvel, instituições e pessoas ao redor de quem não gostamos de nos afastar. É verdade. Mas onde ficam a comodidade, bem-estar, acessibilidade, mobilidade e tudo mais?
Desabafei comigo mesmo porque "tenho casas" nos Katambores.