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quinta-feira, dezembro 01, 2016

MANGODINHO NA NGWIMBI

Nome dele, do bairro e das amizades, é Zequeno, um diminutivo de José Pequeno. Mas apelido dele é mesmo Godinho, nome por que passou a ser chamado nos últimos tempos. Quando nasceu? Não se sabe. Calcula-se apenas, rebuscando as idades de seus coetâneos e daqueles que levou às costas como eu.
 
Sonho dele, de muito tempo, Mangodinho, era conhecer Luanda e fê-lo por uma razão de tristeza. As vezes em que podia vir, passear, respirar ar fresco da brisa do mar, visitar largos com jardins e repuxos, essas vezes lhe passaram. Ora era falta de passagem, ora era a ferida no pé, ora era sei-lá-o-quê.

Óbito na família chegada. Menina crescida desapareceu tragicamente numa sexta de praia na Ilha. Luto anunciado ao telefone da tia, no Libolo, Mangodinho veio junto. Calças: um par. Camisa, idem. Um casaco e um par de sapatos. Relógio, já sem ponteiros, no pulso, Man Godinho tipo é homem de verdade. Fez-se à estrada na carrinha enviada para os resgatar.

Na ngwimbi, como dizem as gentes do “nosso mato”, Mangodinho foi contemplando a grandeza das casas à volta, o falar refinado, até das zungueiras, e o andar estiloso, até dos vendedores de Kangonya. Cigarro na boca, sem estilo na mão, um fumar apressado, correndo com o cilindro que fumegava incêndio, posicionou-se num canto da rua. Ao lado, o esposo da tia com quem viajara.

O telefone do tio tocou. Do outro lado, dita-se um número. O tio, sem saber como anotar no aparelho, desenha os números do solo arenoso. Enquanto corre à casa, para sacar a agenda e a lapiseira, o tio incumbe:

- Sobrinho Zequeno, não sai daqui, eu volto já. Controla o número para que não passe carro por cima dele...

 Mangodinho fez-se estátua. Pessoas passavam, cumprimentavam-no, ele sempre de cara para
o chão dos algarismos. Veio o vento, soprou forte. Mangodinho lágrimas nos olhos é água. Chorava a prima finada aos vinte e dois anos, quinto ano de medicina. Mas chorava também o número do telefone que o vento levou.

Caneta partida pela enxada, corrida às pacas e pescarias no Longa. Do chicote do professor Kakonda, herdado pelo mestre Faustino, Mangodinho apenas ténues lembranças do Bê com Â: BÂ. Técnica de redesenhar algarismos na areia movediça não tinha.

- Que direi quando o tio chegar?!
 
Texto publicado no jornal Nova Gazeta
 

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