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quinta-feira, dezembro 08, 2016

SOZINHO EM CASA

MANGODINHO
O casal enlutado tinha saído. Para aonde ninguém soube, nem mesmo eu. As crianças tinham ido espairecer em casa duma tia. Procuravam todos por um clima de descompressão.
- Zequeno, pai!
Estamos a sair por alguns instantes. Os da família, já sabes. Recebe e atende. Pessoas estranhas, conversa um pouco para saber se são da parte da tua mamã. Se for, também acomoda. De resto, é só dizer que os da casa saíram.
- Está bem pai.
Zequeno, o meu Mangodinho, tinha já roupas novas e um cabelo arranjado. Já se parecia a um homem em transição de campestre para urbano. O tio, a quem tratava por pai, tinha decidido melhorar o seu "looking" e ofereceu-lhe as roupas do tempo de magreza que estavam em sobra.
O tempo era de calor, quentura de Novembro com 34 graus. "Esse sol de Luanda até sardinha assa", a expressão foi mesmo dele ao se retirar do quintal, onde apreciava ao detalhe a sua querida "lagoa" e com forte vontade de a adentrar. Apenas o pudor o inibia de tirar as calças e mergulhar na frente de pessoas.
- No mato não é assim. Pessoa vai ao rio e toma banho longe das mulheres e das crianças. Aqui perece que a vergonha lhes fugiu e ficam todos misturados na mesma lagoa. É pai, é filho, é mãe é visita, é tudo. Isso no mato traz reunião dos mais velhos. É mesmo vergonhoso.
Sentado no sofá da sala de cinema, onde o ar frio, expelido por um potente aparelho de AC, substituía o cobiçado banho de água corrente, Zequeno buscava entender cada detalhe daquela moradia de três pisos.
- Possas, Luanda é grande. - Exclamou ao enviar os olhos para os quatro lados que o piso cimeiro e a vidraça permitiam ver. Foi naquele instante que ouviu o telefone fixo tocar na sala de estar.
- Trimmmmm, Trimmmmm.
Mangodinho na dele. Telemóvel já tinha visto de vários tipos e modelos. Ele, inclusive, tem um. Mas telefone fixo nunca ainda tinha atendido. Ficou a pensar como atender.
- Trimmm, trimmm. - O aparelho voltou a tocar e com mais alto volume.
Mangodinho desceu a escada numa corrida de vento. Até hoje se pergunta como não tropeçou. Chegou quase sem ar nos pulmões e decidiu experimentar o atendimento. Estava sozinho e, caso não o fizesse bem, ninguém o saberia. Levantou invertido o microfone-auscultador.
- Alô, alô, alô. Não falas porquê. Liga mais tarde. Os donos de casa não estão.
Sem ouvir quem estava do outro lado, pousou o microfone-auscultador.
Abriu a geleira e sacou uma gasosa. Antes de a abrir, o telefone voltou a tocar.
Trimm, trimmm, trimmm...
- Já te disse, ó senhor, estás a insistir porquê. Os donos de casa saíram. Ou queres então falar com o cão? É único que deixaram a me fazer companhia (tudo expresso em Kimbundu).
Desta vez, tinha usado correctamente o microfone e permitiu o interlocutor ouvir.
Quando os donos de casa voltaram, foram só risos. Tinha sido o tio a ligar para informa-lo que o almoço, em banho-maria, estava na cozinha e podia abrir uma garrafa de vinho.
O infeliz, almoçou pão com gasosa.

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