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sábado, julho 01, 2017

KALULU: ATAQUE EM DEZEMBRO DE 1989


Corria Dezembro e corria o ano apressado. Naquela semana era só sobre o natal que se falava e "mánada", embora rumores sobre passagem de kwacas por certas aldeias, raptos e saques soavam cada vez mais intensos e próximos. Era um roncar permanente nos ouvidos de todos kalulenses: O horroroso ataque dos unitas à vila de kalulu, perpetrado a cinco de Setembro de 1983, podia repetir-se mais dias, menos dias, caso a guarda não fosse reforçada e com vigilância redobrada. 

Para refrear o temor, e conferir tranquilidade o batalhão de Luta Contra Bandidos reforçava a preparação combativa e cantavam manhã cedo:

"Wazala kiba kyongo/Savimbi wakizalesa/wazala kiba kyongo/ Savimbi wakizalesa, nzaye!
...
Ó Savimbi, ó Savimbi tundako/ó Savimbi, ó Savimbi tundako ko Kisongo!"

Os estudantes da escola do II e III níveis Kwame Nkrumah de Kalulu já gozavam férias natalícias. Eu era aluno alojado no internato e muitos que se encontravam na minha condição já tinham partido ou arrumado as malas para ir gozar o natal com seus familiares. kota Ngunza-a-Xika que durante dois anos fora meu tutor estava naquele ano a leccionar na Munenga. Tinha abandonado a vila. Estava porém na vila e no dia de Natal partiríamos juntos para Munenga e depois à Aldeia de Pedra Escrita, aonde se tinham aglomerado os aldeões da extinta Limbe. Estávamos em Dezembro à porta do natal, também dia festivo dos kwaca.

E parece que estavam sem logística para a comemoração ou queriam aproveitar-se da festa para impor o luto e roubar os parcos haveres dos kalulenses.

Estávamos no Musafu (Mussafo), entre a padaria e a Missão. Madrugada de natal. Alvorada no dizer deles. Os tiros começaram pela Banza, Depois pela Kapopa, um pouco também pelo lado das mangueiras, onde estava uma guarnição das FAPLA (LCB) e pelos lados do velho Duas-Horas, à saída para Vila Flor e Ndala Usu. Só não entraram pela Kibuma e foi lá que nos refugiamos entre pedregulhos na montanha. As balas assobiavam nervosos quando não pelejavam com as cadeias paleolíticas, terminando aí a sua fúria.

As LCB pelejaram até onde as forças permitiram, mas tiveram de desmontar o gatilho do "grau de um pé" e outras peças médias de artilharia. A vila estava tomada. Seguiu-se fogo, sangue e fumo.

Partiram o tribunal, a conservatória dos registos, a polícia, entre outras instalações. Mataram dirigentes e civis indefesos. Raptaram jovens para reforçar suas fileiras e sexuar forçosamente as raparigas como era seu costume. Roubaram sal, peixe seco, roupas e tudo. Desta vez não os vi, não. A experiência da Munenga me tinha alertado para fugir ao lado seguro. Ao mato ou morro.

Ficamos na mata e morro até os kwaca abandonarem a vila em chamas e choros. Partimos, a pé, seguindo atalhos até proximidades da Banza de Musende, a caminho da Munenga. Lá pernoitamos e no dia seguinte fizemos o resto dos 40 quilómetros até à sede comunal para mais uma noite. No terceiro dia Ngunza e eu completamos a distância de mais 26 quilómetros até Pedra Escrita onde três dias depois os Unitas nos encontrariam. Tive de procurar refúgio na aldeia natal de minha mãe, Mbangu-Kuteka, fazendo mais trinta quilómetros a pé. Lá fiquei até Finais de Março de 1990.

De regresso à Pedra Escrita, deparei-me novamente com os Kwacas que ali haviam feito morada. Até Munenga, de regresso à vila de Kalulu, fui acompanhado pelo soba, bem relacionado aos Kwaca, que comigo não frocou sequer uma palavra durante o tempo que durou a marcha de 26 quilómetros.

À chegada, já o sol visitava as traseiras das montanhas. Arrebol. As populações começavam a retirar-se para Kanzangiri. Sorte minha, o chefe Gika (oficial da segurança do Estado) que me conhecia bem, vinha de moto do Dondo e decidiu levar-me até Kalulu. Já as aulas levavam três meses e o meu nome estava riscado da lista.

Consegui justificar as ausências e tive de aplicar a quinta mudança para recuperar as aulas perdidas. Por sorte, na fuga eu tinha esquecido a roupa e levado os livros. Valeu-me ter suportado o peso até Mbangu de Kuteka, pois lia e exercitava.

Quando saiu a pauta, apto, pedi certificado e guia de transferência para Ngola Mbandi, em Luanda, onde fiz o III nível.

 

 

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