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segunda-feira, outubro 16, 2017

UM MINUTO NO DESVIO DO GRABRIEL

Ruínas do jazigo fúnebre de Gabriel
No entroncamento entre as picadas do Luati e Quissongo, junto à travessia do rio Luha, o café já não vai ao terreiro nem enche sacos que davam dinheiro a Portugal, quando Angola era ainda Província Ultramarina de Portugal. Quem por lá passa sente o perfume das flores de café e ouve o chilrear dos beija-flores. Esses sim. São os mesmos, entra década, sai década. Mas o café não! Antes de phaka (desfiladeiro da cadeia montanhosa que cerca o Quissongo), na fronteira entre a Comuna de Calulo e a do Quissongo, à entrada do rio Luho, está uma fazenda cujo dono atendia por Gabriel.
Primeiro foram os portugueses que assassinaram o dono da fazenda. Depois foi a guerra civil que tornou impraticável a cafeicultura em grandes extensões do Libolo. Mas como a desgraça chama desgraça, os fogos descontrolados de todos os anos dizimaram as plantas de café robusta que se abrigavam debaixo do muxitu (mata).
Os aldeões da região da phaka (desfiladeiro) dizem que Gabriel foi o homem negro mais rico dos anos cinquenta, rivalizando com os alemães e portugueses que se haviam estabelecido no Libolo. 
- Tem um filho que vive em Luanda. Temos ouvido apenas falar. Seria bom se viesse retomar a fazenda. - Conta António Kixindo, cujo pai trocou força por dinheiro no cafezal em que hoje só restam poucos exemplares que ajudam a reconstituir a história.
Kixindo, catana na mão, seguia à lavra e repousava no cruzamento em que se enxergam dois pilares que suportavam um antigo alpendre ou algo parecido.
- Kota, esse lugar é sagrado. Aqui tem estória que quando os mais velhos contam você perde fôlego. - Disse provocador, depois de se aperceber que éramos caçadores de estórias incógnitas.
Contou que os brancos do tempo colonial invejavam o sucesso do Sô Gabriel, o negro que torrava farinha com os brancos em termos de café.
Oka indicando a outra picada que vai ao Luati
- Quando os brancos comprassem Chevrolet ou Ford ele também comprava. Um dia, quando a guerra (pela independência) rebentou, os PIDE "lhe fizeram" uma kikonda (emboscada) e jogaram o corpo dele mesmo aqui (apontava para a bi-forcação). A família aflita e sem saber o que fazer, ficou em volta do corpo ainda quente. Naquele tempo, chegar a Calulo era custoso. Quando um amigo do falecido Sô Gabriel chegou, vindo da vila (de Calulo), disse: o corpo enterrem mesmo aqui no jiphambo (bi-forcação) para que os malfeitores tenham peso de consciência ao passarem por aqui. É assim que esse lugar passou a chamar-se Sepultura do Sô Gabriel.
Antes do ponteco sobre o rio Luha, na picada que corta a phaka, está esse lugar de triste memória, cuja ousadia do "mártir" nos encoraja a trabalhar de igual para igual e a lutar pelo país.
 
Texto publicado no jornal Nova Gazeta de 23/11/2017

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