Translate (tradução)

sexta-feira, dezembro 01, 2017

MEMÓRIAS DO IMEL

IMEL, 1994
 
Ao entrar para o IMEL, em 1994 (testes realizados no ano anterior) eu encontrava-me mais roto do que vestido e mais descalço do que calçado. Concomitantemente,  mais faminto do que alimentado. Quando não era "arroz com qualquer coisa" podia ser um "chefé com pão burro ou nada", como podia ser uma ngongwenya. Porém, era portador de bases académicas (tinha estudado no Libolo, numa sociedade ainda sem vícios nem corrupção) das mais sólidas do que muitos dos que, de soslaio, me/nos olhavam com desdém.
Vivia no gueto. Com os colegas do gueto convivia. Os da cidade eram doutros grupos estratificados de acordo as posses, zona de residência e escolas frequentadas. Estes, pareciam arrotar leite bife e bacalhau. Não podendo universalizar, havia, porém, entre os da cidade alguns "camaradas" (raparigas e rapazes) como o L. Pedrada que estavam entre os do gueto e os da cidade, davam-se com todos como mandam os bons ensinamentos. 
 
Como vinha a contar, no fim do ano lectivo, tinha saído a pauta  do II Semestre. Parecia que todos choravam ou pelo menos tinham vontade disso: uns de alegria pelos resultados conseguidos. Outros com cara de quem esperava por represálias ao chegar a casa ou quando os progenitores/tutores se apercebessem da fraca produtividade. Quando fazia as minhas anotações sobre onde devia melhorar no ano seguinte, eis que surgiu ao meu lado uma adolescente. Alta, magra,  morena e linda que apresentou um falar curto e altivo:
- Então tens muitas rubras?
(Confesso. Ainda não constava do meu dicionário a cor rubra. Só a pensar nas palavras da mocita me dei conta que podia ser vermelha. Chegado à casa, tive mesmo de tirar dúvidas com o mestre mudo).
Nem olhou para mim e foi-se embora. Fiquei a contemplar a sua alegria que não era melhor do que a minha. Entre negativas (votadas para 10) e recursos, eu somava zero.
 
Essa jovem veio a ser minha colega da 11ª classe, Turma A-JL e no estágio feito na LAC, em 1997, sendo ela a autora do nome do programa que realizámos "Dicas da Cidade".
 
Já naquele tempo, 1994/6, soube que havia alunos cujo castigo, caso reprovassem, era passar férias na África do Sul.
- Se eu passar de primeira irei passar férias em Londres. Se for a recurso o meu pai deixa-me em Lisboa. - Gabava-se o rapaz perante quem conhecia a South apenas pelo mapa mundi.
Quem me dera! - Dizíamos os do gueto.

Publicado pelo jornal Nova Gazeta

Sem comentários: