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sexta-feira, janeiro 26, 2018

NUM CEMITÉRIO DE DAMARALANDIA

À primeira impressão, Mangodinho chegou a pensar que se morresse mais gente em Windhoek do que na Ngimbi.
- Fogo, pá! Não pode. Estou acordado ou sonhando? Como é que num país em que os hospitais não enchem, com carência de porquice, sem moscas e mosquitos a nduta, se vai morrer ao ponto de o cemitério ficar assim tão cheio? Ou quando morre alguém toda família da cidade e do mabululu vai ao funeral?
Nem o sol escaldante de sábado o impedia de andar, pior ainda com essa dúvida que não quer ficar com ela.
Estava no sul de Windhoek. O cemitério estava cheio. A moda é a mesma do país do norte. Uns usam carpideiras para fingir chorar seu morto. A diferença que notou é que aqui não dizem "aí meu filho ou meu pai". Usam palavras e frases uniformes a todas idades e géneros. Outros, é mesmo como na Ngimbi. Vêem-se parentes chiques que têm roupas e óculos só para óbitos e outros parentes que quase se entregam à tumba, fingindo que acompanham o de cujus, mas pura simulação. Sabendo que não seria entendido na sua língua, Mangodinho ainda fez uma agitação.
- Deixem-na ir. Aqui fora está muito quente e pode ser que debaixo da terra esteja mais frio.
Os dâmara todos ouviram mas não deram ouvidos. Se calhar deve ser por causa da língua, mas a tia que estava a se rebolar, pretendendo colocar--se por cima da urna que descia ao solo do descanso, acabou desistindo. Mangodinho bateu-se levemente ao peito e disse para si:
- Me ouviste, n'é? O chão molhou com o chuvisco mas o subsolo é quente!
Ficou ali na multidão vendo e ouvindo. O lápis enfiado no cabelo, ndunda no sovaco e bloco de notas na mão é já sua marca por essas terras. Até dizem, ouvi rumores, que uma equipa de modistas segue Mangodinho para descrever-lhe os gestos e preparar uma grife. Mangodinho, ouvidos atentos e rapidez na consulta ao dicionário e notas no bloco.
- How many people death daylly, here? - Soletrou.
(Quantas pessoas morrem diariamente aqui?)
- We burry ONLY on saturday and sunday because of work abstention (enterramos apenas aos sábados e domingos por causa da abstenção ao trabalho).
- Maravilha, wonderfull, magnífico. Good idea. Vou propor um estudo lá na banda. No campo é difícil ainda, por falta de energia, morgues e etc. Mas na Ngimbi pode ser o ponto de partida. O povo vai resistir mas depois vai gostar, tenho certeza. Primeiro, boa energia a todos os cidadãos. Segundo, boas morgues privadas que concorrem entre si, oferecendo melhor serviço e preço. Depois ficam reunidas as condições objectivas para decretar funerais somente aos sábados e domingos, sendo que aos finados de domingo a quarta vão ao descanso santo ao sábado. Os que nos deixam de quinta a sábado vão descansar eternamente no domingo. Se isso passar no nosso Governo e Parlamento vai diminuir as ausências ao trabalho por motivos de óbitos de parentes e até irmãos de igreja que passam por biológicos.
Mangodinho, com ideias a lhe chover na cabeça, partiu para a hospedaria e traçar o plano que vai submeter ao Executivo e já pensa no discurso.
- Suas excelências, como gestor de Capital humano sei o quanto representam de perdas às empresas e organizações públicas as supostas ausências que nos são reportadas por eventuais causas de óbito. Sabeis também vossas excelências que se dos finamentos não se nos permite duvidar, o mesmo não se passa com o grau de parentesco entre os reportados como mortos e os que se furtam ao trabalho para depois exibirem certidões de óbito. É por isso, excelências, que propomos vossa reflexão e eventual aprovação de uma lei, de aplicação gradativa, que estabeleça dois dias para funerais!

Publicado a 8 de Abril de 2018, no Jornal de Angola

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